O SÓLIDO O LÍQUIDO E O OUTRO
Havia um mundo em que tudo era quase perfeito, ao menos assim parecia. Nele, as pessoas haviam descoberto a materialidade dos lugares, uma pragmática das relações e a existência objetiva do existente. Muito seguros, tinham os pés fincados em uma sólida, porém, abstrata base. Pisavam firmes, mas nunca olhavam para o chão.
O simples fato de olhá-lo poderia sugerir que não se cria totalmente nele, mas isso não se podia admitir, afinal havia um código tácito, aprendido há muito tempo, que ele estava ali e que sempre havia estado. Para muitos, talvez a maioria, isso dava a boa sensação de que as coisas eram exatamente o que eram, porque deveriam ter sido antes deles e seriam assim depois que eles não estivessem mais ali.
Um dia, em meio a um forte vendaval, alguns caíram. Tiraram os pés do chão, mais do que isso, olharam para ele. Assustaram-se: estavam caminhando sobre águas, a única coisa sólida ali, eram seus sapatos que, de muito duros e de tão presos aos pés, davam uma ilusória sensação de segurança mesmo quando passeavam sobre correntezas, ondas ou águas calmas. Parte deles se levantou e resolveu nunca mais olhar para o chão novamente; seguiu caminho e optou pelo esquecimento das águas se entregando à segurança dos sapatos. Outros, porém, resolveram se descalçar. Em alguns, isso causou grande dor de tão presos os sapatos estavam aos pés. Para outros a sensação era de medo, insegurança, ansiedade. A frieza da água causava ao mesmo tempo torpor e satisfação. Eram tantas as novas sensações que se tornaram impossíveis de serem descritas em palavras, gestos, imagens.
Os pés descalços queriam usufruir, ao mesmo tempo, de tudo aquilo que julgaram ser a sua nova condição, tudo que aquele novo mundo podia lhes oferecer. Mergulharam ansiosamente nas águas, deliciaram-se com a absoluta imprevisibilidade de seus cursos, com a força de suas ondas ou com a serenidade de suas lagoas. Mas os pés descalços adquiriram um estranho hábito: as águas nunca lhes bastavam, as ondas, os cursos dos rios e até mesmo as plácidas lagoas eram sempre transitórias. As águas sempre passavam. Alguns pés descalços se inquietaram quando, ao colocaram as mãos nas águas tentando deter-lhes, só conseguiam molhá-las, estas logo secavam como se nunca tivessem tido nada entre os dedos.
Em meio à sua angústia perceberam que não podiam e não queriam calçar novamente os velhos sapatos, contudo, também não conseguiam mais a mesma satisfação ao mergulharem nas águas. Era como se sempre retornassem ao ponto de partida, embora soubessem que as águas nunca eram as mesmas. Os pés descalços tiveram a incomoda sensação de que sentiam falta de algumas coisas que tinham antes, ou que imaginavam ter tido, mas por outro lado, sabiam que não poderiam mais calçar os antigos sapatos.
Descobriram então que precisavam reaprender a andar, agora sem sapatos, mas tendo a consciência de que caminhavam sobre águas, isto não podiam mais ignorar. Sabiam também, que dificilmente caminhariam com a mesma segurança de antes, ou com as mesmas certezas, temiam isso às vezes, mas sabiam que precisavam seguir. Se antes, o equilíbrio fora dado pelos sapatos, hoje teria que partir deles próprios. Teriam que aprender a não somente andar, ou mergulhar nas águas. Teriam que aprender olhar para o mundo sob o olhar de uma novidade sensível na qual nem tudo era totalmente novo, nem tudo era totalmente velho, nem tudo era totalmente sólido, nem totalmente líquido. Finalmente, eles são sabiam dizer se eram mais felizes antes, quando tinham os pés calçados, ou agora, com a descoberta das incertezas. Sabiam apenas que eram outros.
Sônia Meneses, Niterói, 27/10/2007, 2:45
Comentários
OBS:Q MELECA, PORQUE EU FUI GOSTAR DE HISTÓRIA E NÃO DE MEDICINA? PORS ISSO AINDA ANDO A PÉEEE...HIHIHI...Ô, SÃO AS INQUIETAÇÕES...
D ' onrrar os seus á gran...APAGA-TE!!!HIHIHIHI...OV