"Sabes navegar?"
"Sabes navegar, (…) ao que o homem respondeu, Aprenderei no mar. O capitão disse, (…) não me atrevo com qualquer barco, Dá-me então um com que possa atrever-me eu, (…) Essa linguagem é de marinheiro, mas tu não és marinheiro, Se tenho a linguagem, é como se o fosse. (…) para que queres o barco, Para ir à procura da ilha desconhecida, Já não há ilhas desconhecidas, (…) homem da terra sou eu, e não ignoro que todas as ilhas, mesmo as conhecidas, são desconhecidas enquanto não desembarcarmos nelas" (Saramago - O conto da Ilha Desconhecida)
"Sabes Navegar?
Pergunta capital em nossos dias, aqui formulada com maestria por Saramago nessa história inusitada de um homem que, certo dia, bate à porta de um rei e pede-lhe um barco para ir em busca da Ilha desconhecida. Contudo, o mundo do homem da Ilha desconhecida, tal qual o nosso, aparentava estar esquadrinho em territórios determinados e fronteiras conhecidas. No vasto mundo familiar onde navegavam os homens, o personagem de Saramago atua como o elemento de estranhamento, irrupção problematizadora, o sujeito que reivindicava pra si a busca de novos territórios mesmo nos mapas já dispostos sobre a mesa.
Com isso, o personagem atua como o súdito, o receptor/consumidor inconveniente para o Rei, a quem tudo competia comunicar e ser comunicado e se coloca também como sujeito construtor, descobridor/inventor de novas ilhas naquele mundo. O receptor/navegador, sendo homem da terra, queria também ser dos mares, navegar, singrar os vastos oceanos em busca de sua própria ilha. Para isso, apropria-se de um meio: o barco; toma emprestada uma linguagem: a dos marinheiros.
A metáfora de Saramago nos ajuda a pensar sobre a relação estabelecida entre os receptores e os meios de comunicação em nossos dias. Reflexão problemática uma vez que se manifesta no espaço movediço entre o que é comunicado e o longo percurso de suas (re)apropriações por sujeitos diversos. Ação, que distante de ser compreendida como circuito linear, como nos adverte Stuart Hall, representa um o movimento de uma imbricada estrutura na qual estão interligadas “produção, circulação, distribuição/consumo, reprodução”. Uma estrutura na qual cada um desses elementos se distingue, mas que, no entanto, dialogam entre si em um movimento constante de reatualização e produção de significados. (...)"
Sônia Meneses
(Trecho do artigo:NARRAR, Informar, Navegar:
A invenção do acontecimento emblemático contemporâneo - o Painel do Leitor do jornal Folha de São Paulo e o golpe de 1964. )
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