"Eu sou a Beira do Mundo!"

Só recentemente assisti ao polêmico documentário de Marcos Prado lançado em 2004¹, que ao narrar o cotidiano dos catadores de lixo do aterro do Gramacho, no Rio de Janeiro, depara-se com a desconcertante Estamira
Estamira, mulher goiana, moradora da periferia carioca, prostituída na adolescência, espancada pelo marido, mãe solitária, vítima de estupro, catadora de lixo. Por muitos, considerada louca e feiticeira, grita em pleno aterro do Gramacho: “- eu sou a beira do mundo!”. Como que num lampejo, parece enxergar o tempo e lugar nos quais, muitos ficaram depositados. Como diz ela própria, o lugar dos “restos”, ou dos “descuidos”; o abismo do mundo conectado. Estamira, assim como os demais freqüentadores e por vezes moradores do Gramacho são ao mesmo tempo, no dizer de Cancline, diferentes, desiguais e desconectados, entretanto, talvez mais uma categoria ainda os acolha: esquecidos.
(Foto de Marcos Prato: Livro - Jardim Gramacho)
O aterro do Gramacho representa ainda uma face muito clara do processo de globalização desigual no qual nos encontramos: a confrontação com os excessos de uma corrida desastrosa do consumo, cujos efeitos ambientais e sociais, ainda não parecem suficientemente preocupantes para nossas sociedades. Um momento que se caracteriza por uma hipertrofia do desejo e da insatisfação, cotidianamente, animados pelo furor da publicidade, que parece nos estimular um “pendor contemporâneo para ilusão”, (…) “um mundo sem dúvida vistoso, mas não bonito; intenso, mas não agradável; potencializado por novas energias e recursos; mas cada vez mais carente de laços afetivos e de coesão social”, chama-nos atenção Sevcenko (2006; A Corrida para o século XXI: 81, 83).
Um sistema global em termos de mercados financeiros desregulamentados, cujo fluxo de moedas é grande o suficiente desestabilizar economias médias, ou chamadas de emergentes, um sistema que, além disso, coloca em cena uma economia mundial do conhecimento e da informação jamais imaginada. Como nos adverte Stuart Hall (2006; Da Diápora:56) um sistema que continua sendo “de desigualdades e instabilidades cada vez mais profundas, sobre o qual, nenhuma potência (…) possui controle absoluto”.
Comentários
Seu texto traz também a riqueza das referências, que vou só pescando do lado de cá. Espero que continue. Essas leituras estão muito ricas.
Bj
Ed