"Passageiros entre palavras fugazes"
Começo esse ano com a citação de um poema do palestino Mahmoud Darwish, falecido em agosto do ano passado.
“Passageiros entre palavras fugazes:
carreguem os vossos nomes e vão-se embora,
Cancelem as vossas horas do nosso tempo e vão-se embora,
Levem o que quiserem do azul do mar
E da areia da memória,
Tirem todas as fotos que vos apetecer para saberem
O que nunca saberão:
Como as pedras da nossa terraConstroem o tecto do céu.”
(TRECHO DO POEMA VÃO-SE EMBORA)
A lembrança de Mahmoud aqui é estimulada principalmente pelos últimos acontecimentos desencadeados no conflito entre palestinos e israelenses. Não pude deixar de pensar neles como o desenrolar de mais um capítulo de uma história na qual a idéia de reparação do passado é evocada para a justificativa de ações concretas em nosso presente, nesse caso, o bombardeio e a invasão de Gaza. É a mesma lógica que assentou o holocausto como o marco memorável mais significativo do século XX e concedeu ao povo judeu a possibilidade de reivindicar para si uma autoridade quase inviolável de voz sobre o passado, demonstra-nos, por conseguinte, a amplitude que pode alcançar um lugar de fala respaldado pela força da memória.
A partir de uma bem estruturada política mundial de memória em torno do evento que incluiu a produção de filmes, proliferação de monumentos, documentários, produção de artefatos e exposição de grande alcance através dos meios de comunicação, o holocausto, acontecimento memorável, tornou-se um dos mais bem sucedidos projetos de construção de memória no século XX e foi capaz de fazer de suas vitimas/protagonistas, autoridades inquestionáveis a falar e a fazer calar em nome do passado.
É preciso que compreendamos que, a própria passagem do holocausto para o primeiro plano dos debates sobre memória, representa o jogo de disputas sobre o passado e a informação. A recorrência de políticas genocidas em países como Ruanda, Bósnia, Kossovo, bem como, a divulgação das atrocidades, torturas e perseguições efetivadas nos Regimes Ditatoriais na América Latina, desencadearam uma ampla política de memória nesses países e o recrudescimento desses conflitos colocou o holocausto como o grande centro das disputas de memória no século XX, tornou-o referência para ocorrências de massacres e mortes em várias partes do mundo e fez do povo judeu o guardião de uma memória que alcançou uma dimensão de universalidade extremamente complexa e problemática.
Autorizou-o a inclusive ser hoje também genocida em relação a outros povos e a desafiar com bombas instituições como as grandes agências de notícias internacionais e a ONU que, em um passado muito próximo atuou de maneira decisiva na própria situação que hoje se apresenta.
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