Quem quer ser um Leitor?



Acabei de assisti a dois filmes que estiveram entre os ganhadores do Oscar desse ano.“O Leitor” e “Quem quer ser um milionário?”. O que mais me chamou atenção neles é que, de maneiras diferentes, ambos trazem a questão da memória como elemento importante de suas narrativas. 

O Leitor apresenta, sob uma ótica bastante inabitual, a temática do holocausto rompendo com o olhar maniqueísta sobre a questão e complexificando o papel desempenhado por alguns membros da polícia nazista. Tem a ousadia de nos emocionar ao revelar-nos a história de uma mulher mais velha e seu jovem amante numa Alemanha arrasada do pós-guerra, mais do que isso, toca na ferida aberta sobre a participação do cidadão comum alemão nas ações desencadeadas nos anos de guerra. É possível mesmo que a população alemã não soubesse o que se passava nos campo de concentração? É a questão posta em uma das cenas. A memória a todo o momento é acionada, seja a partir do olhar retrospectivo do homem atormentado pelo seu passado, seja pelo que representa a imagem de Hanna Schmitz para a memória do próprio povo alemão. Para além da relação da relação entre o homem e a mulher, há ainda outra tão bela e importante no filme: a paixão pela leitura e é nela que talvez Hanna, encontre sua única absolvição possível. 






Por sua vez, Quem quer ser um milionário? partilha com O Leitor de um cotidiano dramático, embora, bastante distantes no tempo e no espaço. Nele, deparamo-nos com uma Índia contemporânea arrasada pela miséria espalhadas pelas inúmeras favelas que compõem seus principais centros urbanos. Um país cujas desigualdades e problemas sociais poderiam nos parecer surpreendentes se não tivessem tantas semelhanças com os nossos, embora, possamos dizer que seus fracassos sociais sejam ainda mais violentos. 

Muito distante da Índia folclórica apresentada na novela global, o filme investe na crueza das cenas e na história de um amor situado nos abismos da miséria. 

“Milinário vira-lata”, título original traduzido ao pé da letra, nos trás também o universos dos programas de Tv nos quais os participantes buscam a sorte em jogos de pergunta e reposta, tão populares nas redes de televisão em várias partes do mundo; a quimera para uma população que enxerga no palco incandescente a única saída de deixar para trás o fardo da realidade que sempre os dominou. 

Num país de analfabetos, “como pode então um favelado ter sucesso onde médicos, advogados e professores fracassaram” é uma das perguntas colocadas a Jamal, o jovem favelado de dezoito anos, candidato a milionário, talvez pudesse se perguntar também: quem quer, ou pode ser um leitor?

Jamal trás o trunfo de suas experiências; carregava em si, seus próprios lugares de memória marcados pelos momentos dramáticos com os quais se deparou ao longo da sua vida. Nesse caso, fica patente as dificuldades de uma educação formal naquela realidade. Embora repita as batidas fórmulas: o rapaz pobre que enfrenta o mundo para alcançar a mulher amada, o filme chama a atenção por investir na apresentação chocante da vida nas favelas de Bombai.

O que gostaira de destaca é que nos dois filmes é a memória a costurar as teias de significados que dão sentido àquelas vidas. Suas dores, frustrações, alegrias e angústias pessoais embaralham-se com as de outros indivíduos compondo o amalgama das lembranças que servem como norteadores para suas relações no presente e é nele que o passado é a todo momento acionado ajudando em sua própria construção.

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