Até quando a humanidade vai ter que se desculpar com Israel?

Palestinos, moradores da Faixa de GAZA

Existe, na atualidade, uma clara mudança de postura em relação o passado. A partir de um dado momento nos deparamos com uma verdadeira obsessão da rememoração e, junto com ela, difunde-se a crença que é possível reparar-lo ou manter um julgamento perpétuo do presente pelo passado. Em nome dessa reparação e desse julgamento sempre inacabado, muitas políticas sociais têm emergido nos últimos anos em várias partes. Os discursos sobre memória no começo da década de 80, na Europa e nos Estados Unidos, foram também impulsionados pelos debates em torno do Holocausto; evento tornado exemplar para reflexão dos acontecimentos emblemáticos no século XX. 

O agravamento desses conflitos colocou o holocausto como o grande centro das disputas de memória no final do século passado e o tornou referência de massacres e mortes em várias partes do mundo. Mais ainda, fez do povo judeu o guardião de uma memória que alcançou uma dimensão de universalidade extremamente complexa. A partir de uma bem estruturada política mundial de memória em torno desse acontecimento que incluiu a produção de filmes, proliferação de monumentos, documentários, fabricação de artefatos, exposição de grande alcance através dos meios de comunicação, o holocausto, acontecimento traumático memorável, tornou-se o mais bem sucedido projeto de construção de memória no século XX e foi capaz de fazer de suas vítimas/protagonistas autoridades inquestionáveis a falar e a fazer calar em nome do passado. 

É preciso que compreendamos que, a própria passagem do holocausto para o primeiro plano dos debates sobre memória, representa um capítulo no intenso jogo de disputas sobre o passado e a informação o que foi particularmente evidenciado com a constituição dos sistemas nazi-fascistas. Certamente a reflexão sobre os grandes crimes da humanidade se constitui um passo importante para a superação de grandes traumas e possibilita um maior amadurecimento para que as sociedades atuais aprendam a lidar de forma reflexiva e crítica com seu passado. Todavia as questões que se colocam são as seguintes: até quando as dores do passado devem servir para orientar e justificar todas as ações no presente? 


Em que medida uma memória traumática pode se reverte em discurso de subjugação e tirania no presente? Em nome da memória de povo perseguido ao longo dos séculos, Israel hoje se situa num lugar quase inalcançável de críticas ou sanções políticas. Pode fazer o que bem entender em suas terras e fora delas e o mundo inteiro parece sempre baixar a cabeça como a pedir-lhe desculpas. Todos se sentem constrangidos a pedir contas a Israel, mesmo que a política externa e interna que ele pratica se aproxime em intransigência às piores ditaduras da contemporaneidade. Embora se compreenda a aguerrida reiteração da memória de sofrimento do povo Judeu, contudo, é preciso que se chame atenção este não foi o único povo perseguido da humanidade. Populações inteiras das Américas foram dizimadas, assim como, africanos e asiáticos também sofreram século de exploração e massacre. Na verdade, a África, hoje, continua sendo um continente em holocausto de fome e miséria resultado de séculos de dominação européia. A diferença fundamental foi que, infelizmente, eles nunca conseguiram realizar a construção midiática da sua memória de perseguição, nenhum Spielberg habita entre eles. Continuam esquecidos, a não ser é claro, hoje quando todos foram para lá, jogar futebol.


Comentários

Unknown disse…
Como sempre, você nos brinda com palavras lúcidas, Sônia. O genocídio contra os judeus no século XX é, sem dúvida, algo execrável. Todavia, a condenação do holocausto não deve isentar Israel de críticas. O desrespeito aos direitos humanos no trato da questão palestina deve ser execrado no mesmo grau.
Nestor Mainieri disse…
Oh! Por jeovah! Não sei que interpretações nossos queridos israelenses conseguiram extrair do velho testamento, especialmente no que diz respeito a "como conviver com os povos não escolhidos". Provavelmente nada que se encaixasse no que conhecemos hoje por "direitos humanos". Quanto aos demais povos, tendo-se o pão, vai-se ao circo. mesmíssima coisa quando os também criminosos chineses invadiram o Tibet. Quem notou?

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