O Sentido da Travessia

Outro dia li uma reportagem, em um desses sites do Google ou do Yahoo, na qual um psicólogo falava da preocupação com uma nova geração que vem surgindo pós-90. Segundo ele, essa geração muito provavelmente passará por um problema de construção de identidade, uma vez que os laços humanos se apresentam cada vez mais tênues.
Sua inquietação se associa as de outros estudiosos que se dedicam a analisar as espantosas transformações das duas últimas décadas.
Para alguns, mais apocalípticos, como Zygmunt Bauman, vive-se uma vida líquida; vida estranha na qual tudo muda todos os dias muito rapidamente, na qual os laços se desfazem e as relações podem ser tão facilmente descartadas como nossos arquivos de computador.
A sociedade do CTRL-X, CTRL-C recorta e cola amizades, amores e sentimentos variados numa crescente naturalização e apologia do efêmero.

Vivendo nesse mundo ciber-social sou tomada por sentimentos contraditórios.
Assumo-me uma amante das várias tecnologias e de certa forma não consigo deixar de ser otimista sobre suas possibilidades de uso. Por outro lado, exatamente, essas ilimitadas possibilidades me assustam quando penso que no futuro boa parte da humanidade irá interagir prioritariamente por esses recursos. Não é a toa que assistimos a profusão dos sites de relacionamento, chats, blogs, homepage, jogos do tipo second life que as pessoas usam para se comunicarem com os outros.
Sob o aspecto positivo é provável que assistamos, ou já estejamos a assistir, uma circulação cultural jamais vista na humanidade. Multiculturalidade certamente será um conceito fundamental para compreendermos esse momento.

Por outro lado, ao presenciarmos a emergência dessa geração a construir sua identidade orientada pelo ciber-espaço, não se pode fechar os olhos para milhões de pessoas que sequer têm acesso ao computador.
Se para os mais eufóricos apologistas dos meios, cria-se, perfeitamente, em uma aldeia global, numa ilusória idéia de interligação plena dos povos através dos sistemas comunicacionais, hoje, percebe-se muito claramente que para alguns a opção mais provável parece ser a condenação ao esquecimento, basta pensarmos nos milhões a subsistiram em continentes como a África, Ásia e mesmo América Latina.

Vivemos um mundo em travessia e esse sentimento talvez nunca tenha sido tão intenso, sobretudo, quando cada um de nós, mesmo em suas cadeiras em frente a computadores, sente-se, contraditoriamente, preso em um movimento que muitas vezes nos desenraiza sem que saíamos do lugar.


Sônia Meneses






17/11/08

Comentários

Nestor Mainieri disse…
Vivemos inseguros numa estreita e imensa prisão de vidro e concreto, e muitos jamais tocaram a terra com os seus pés. Sim, prisioneiros do asfalto e do concreto. A única opção de espaço que temos, as teclas, o virtual. Desenvolver o psiquismo, individualizar-se, crescer, também significa habitar espaços, diversos tipos de espaços, e os psicólogos esquecem da necessidade do mais básico tipo de espaço, o físico. Resta-nos portanto o frio virtual.
Nestor Mainieri disse…
Temos então uma geração de "deficientes do físico". A geraçào que o mundo virtual abriga em um número cada vez maior. Ao invés de simples extensão da vida mental, o virtual passa a ser a própria vida mental. Uma vida que se passa bem sob as barbas do capitalismo, de estruturas maiores que sobrevivem do controle, enfim, há uma globalização de mentes, mas em torno de forças controladoras. Globalização escravagista. O que chamávamos de mente torna-se agora uma peça controlável pelo sistema, via espaço virtual.
Nestor Mainieri disse…
Nada é por acaso. O mundo virtual, cada vez mais "mental", dita nem tão sutilmente as normas, os gostos, padrões... Alguém ou algo controla isso tudo. Vida líquida? Sim, diarréica, semi-gasosa. Atrofiamos em uma lata de concreto cercada de marginais por todos os lados... e o único espaço que teríamos para respirar... bem, cobra o preço da alma, da própria mente. Tenho pena destas novas gerações. A privaçao do espaço físico impossibilita a liberdade da alma.

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