11 de setembro: o novo acontecimento histórico dez anos depois. (parte 1)

O mês de setembro desse ano será marcado por eventos que certamente lembrarão os 10 anos da queda o Word Trade Center. Embora o historiador não seja muito afeito a prognósticos, arrisco-me a dizer que assistiremos a uma profusão de celebrações que não deixarão esquecer a significação simbólica desse acontecimento para a história contemporânea. Ainda hoje suas imagens povoam com muita nitidez o universo de nossas recordações, não somente pela proximidade de tempo que temos com ele, mas sobretudo, pela profusão espetacular de sua divulgação, reprodução e reflexão que não pararam de ocorrer ao longo dessa década. A queda do imponente complexo empresarial inaugurou de forma dramática a passagem do século XX para o século XXI. Como se, naquele momento, efetivamente pudéssemos ter sentido, como em nenhum outro momento, a passagem do tempo.
O grande diferencial desse evento, para outros que nos acostumamos a tipificar como histórico, talvez seja a radicalidade de sua experiência em termos de divulgação e envolvimento humano para além de todos os espaços geográficos. Embora seu espaço de efetivação se situe no “Ground Zero”, coração da ilha de Manhattan em Nova York seu espaço de subjetivação ampliou-se espetacularmente em cada residência, escola, loja, ou praça em várias partes do mundo nos quais foi possível acompanhar sua transmissão ao vivo. Incontáveis olhos presenciaram a metamorfose dos grandes prédios em ruínas, foram suas testemunhas.
Acontecimento catastrófico e dramático no qual as imagens valeram e ainda valem pela força de mobilização que provocaram ao longo desses 10 anos. Espetáculo que misturou ficção e realidade numa trama costurada pelos meios de comunicação.
Com a queda do World Trade Center nos deparamos como um novo acontecimento histórico, bastante diferente daquele vislumbrado até meados do século XX. Isso, porque mudou não apenas seu status como ocorrência exemplar, singular e fundadora, transformou-se, sobretudo, as formas de sua divulgação, e consequentemente, de sua apropriação. Não se pode negar também que se modificaram as formas de percepção das coletividades, assim como, suas maneiras de lembrar, esquecer e selecionar seu patrimônio histórico e memorial.
“É justamente na possibilidade de associar a transmissão em tempo real e o caráter informativo atribuído aos noticiários à dimensão do consumo que as mídias carregam no mundo atual que os acontecimentos conquistam sua hiperealidade de divertimento dramático.”(1)
Diferentemente de outros momentos, em que o contato com tais ocorrências era limitado, como chamou atenção Duby em sua bela narrativa sobre o Domingo de Bouvines, em virtude de “uma reserva de materiais cujo número é finito e que doravante já não é possível aumentar”(2) , o aco
ntecimento contemporâneo demonstra exatamente o dificuldade seletiva sobre os materiais a serem utilizados em sua formulação, além disso, acrescenta-se outro elemento: a possibilidade de sua reprodução em imagens, sons e textos para uma audiência quase inesgotável.
O acontecimento agora não apenas está disponível para ser lembrando, recontado, há também
a possibilidade dele ser “revisto” através das infinitas formas de registro disponibilizadas em nosso tempo. Acontecimento que é também encenado no momento logo posterior à construção de suas imagens.
Para muitos, a queda das duas torres realizou uma projeção mental assustadoramente familiar, resultado da própria indústria cinematográfica norte-americana.
Para nós, pesquisadores do tempo presente, o que este evento vem demonstrar é que certamente a partir dele teremos que construir novos caminhos de compreensão e reflexão para as ocorrências humana no espaço e no tempo. Pode-se perceber que estamos também diante de um novo passado que agora nos apresenta novas formas de representação e feitura.
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(1) Mauad, Ana Maria. Dimensões do presente: palavras e imagens de um acontecimento, os atentados ao World Trade Center e ao Pentágono, em 11 de setembro de 2001 in Porto Jr., Gilson. História do tempo presente, São Paulo. Edusc. 2007.
(2). DUBY, Georges. O Domingo de Bouvines – 27 de julho de 1214. São Paulo, Paz e Terra. 1993, pág. 15.

Comentários

Anônimo disse…
Voce me deixa reflexiva acerca dessas questões todas, Sônia.
É mesmo impressionante a forma como os acontecimentos históricos são veiculados, na atualidade. Chega a ser repetitivo, invasivo e até desnorteante. Não se sabe mais, precisamente, o que é realidade e o que é ficção. A própria edição das imagens é resultado de um jogo de interesses...
Será sempre a história dos acontecimentos, seja do tempo presente, ou não, passível de manipulação por parte do historiador, da imprensa ou de todo aquele que se debruça sobre ela? O que é a VERDADE historicamente falando, então? Que tipo de legado histórico está sendo deixado para as gerações futuras, considerando que não há imparcialidade nenhuma nas nossas narrativas?
Um acontecimento, para ser considerado histórico tem de ser exemplar, singular e fundador de um “novo” tempo?
Nossa! Faço-me tantas perguntas!

Adorei o artigo.

Um beijo,
Tânia Peixoto
Sônia Meneses disse…
É querida Tânia, são muitas perguntas, tantas que dá pra fazer uma tese (risos) e na verdade é em nome de boa parte delas que venho me debruçando ao longo dos últimos 4 anos, talvez a conclusão mais concreta que chego após esse período é que verdadeiramente precisamos aprender novas maneiras de lidar com o passado e conseqüentemente com nosso presente.

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