PINHEIRINHO: Nosso Distrito 9 é logo ali



  


Distrito 9 é um filme de ficção interessante. Sob vários aspectos nos faz pensar sobre algumas questões importantes do nosso tempo. Ao primeiro olhar, seu argumento pode até não ser um dos mais originais: uma nave de alienígenas caí na terra. Bem, até aí muitos filmes norte-americanos já se deleitaram com o tema. Todavia diferentemente deles, é na África que os estrangeiros se deparam com seu trágico destino. Digo trágico, porque doentes, famintos e sem ter como voltarem para casa é numa favela de Johanesburgo que encontram seu novo lugar de morada. Vivendo em condições miseráveis em casebres de madeira, sem saneamento ou assistência médica; segregados na região mais pobre dentro da pobreza, sobrevivem de trocas, pequenos delitos, ora sendo perseguidos pelos traficantes de armas locais, ora pelos agentes da segurança que tinham como principal função mantê-los sob controle no Distrito 9.

O Distrito 9 de Johanesburgo era um gueto desprezado e odiado por todos ao seu redor. Xenofobia e intolerância são os motes que conduzem as relações entre os habitantes cidade e seus inconvenientes visitantes. Um dia as autoridades locais associadas a uma grande empresa privada de armamentos e segurança resolvem colocar em ação um plano transferência dos 1.800.000 moradores do Distrito 9 para outro local. Por trás da ação, o interesse era financeiro e bélico: controlar e subjugar os indesejáveis residentes para se apropriar de sua tecnologia.


Na última semana conhecemos nosso Distrito 9 e nossos estrangeiros nem eram assim, de tão longe. A ação realizada em Pinheirinho é daquelas histórias que imaginamos como roteiro de filme. O grande especulador, acusado de todo tipo de corrupção e falcatrua, que sempre conseguiu se valer da face mais lenta e burocrática da justiça quando se tratou de apurar e julgar as acusações que pesam sobre ele, aciona essa mesma justiça, agora sim, rápida, implacável e incrivelmente eficiente para despejar, destruir casas, bens, memórias e vidas milhares de pessoas em poucas horas, afinal, agiu a justiça para garantir o sagrado direito de propriedade do Sr. Naji Robert Nahas, um terreno avaliado em 400 milhões de reais.


A quebra da bolsa do Rio de Janeiro em 1989, denúncias de lavagem de dinheiro, desvio de verbas públicas, corrupção, etc., que o levaram para cadeia em 2008 através da operação Satiagraha, são algumas das acusações que pesam sobre o especulador, bem mas isso aí a justiça ainda tem muito tempo para apurar, julgar, resolver...


A verdade é que a decisão a favor de Nahas foi a senha para que os habitantes de Pinheirinho fossem expulsos e retirados de onde estavam. Ninguém os queria ali. Nem o prefeito, nem os demais moradores de São José dos Campos, nem o governo do Estado. Representativo disso é que anos antes a câmara de vereadores da cidade havia aprovado uma resolução para impedir que seus moradores tivessem acesso a qualquer assistência de saúde, educação ou saneamento básico, que só não foi implementada por ser inconstitucional. Assim como os alienígenas do Distrito 9, ser morador de Pinheirinho era pagar o preço da segregação, da descriminação e do preconceito.


Pinheirinho escancara ainda outros problemas latentes em nossa sociedade: o primeiro deles, ainda é o alcance do poder econômico no acionamento da justiça. O claro paradoxo entre as ações que tramitam contra Naji Nahas e a eficiência com que foi cumprida a ação judicial que o especulador ganhou sobre os moradores do bairro demonstra o quanto nossa lei trabalha eficazmente quando se trata julgar e condenar quem é pobre no Brasil.

Em segundo, a segregação de Pinheirinho dentro do espaço de São José dos Campos denuncia a tensão existente entre os moradores da cidade e o bairro. Mais uma vez é a condição de pobreza que marginaliza e identifica seus habitantes. Sob os argumentos das autoridades, o bairro era o espaço do crime, da marginalidade, embora admitissem que “gente honesta” habitasse ali, Pinheirinhos é apresentado pela grande mídia como uma outra “cracolândia”, portanto, destruí-lo foi a opção mais fácil que encontraram para se “livrar do problema”. No depoimento de uma das moradoras expulsa, ao tentar alugar imóveis e ser identificada pertencente ao bairro, viram-lhe as costas.

Pinheirinho tornou-se para seus moradores o lugar de construção de uma identidade repartida, marcada pelas desigualdades que ainda se mantém em nosso país; pela indiferença com a qual tratamos a maior parte de nossos problemas sociais e pelo estado de letargia que nos encontramos.

Ao contrário da grande repercussão dada a eventos, no mínimo, risíveis que nada nos dizem, a cobertura do despejo dos moradores do bairro foi tratada pela grande mídia como matéria de segunda página, afinal, pouco importa para onde irão os habitantes do Distrito 9, desde que fiquem longe, invisíveis e silenciosos. Assim, a vida segue seu curso e pouca gente vai saber o que foi feito deles, espalhadas por ai.... mas amanhã tem BBB, alguém voltando do Canadá e o carnaval, ah! o carnaval...até descobrimos nosso próximo Distrito 9.

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