A História sem tempo ou um tempo sem História?



Na Anpuh de 2008 realizada em Fortaleza apresentei um texto cujo título era uma pergunta: “A Humanidade ainda precisa dos historiadores?” Lembro que no momento da minha apresentação alguns arqueares de sobrancelha lançavam sobre mim certa desconfiança, afinal, minha pergunta talvez tenha parecido retórica ou tola, pois qual de nós colocaria em dúvida sua importância.
Meu questionamento pretendia investir sobre dois aspectos relevantes para nossa profissão: a constituição do campo da história, rotinas de trabalho e atuação política e social do historiador quando diversas áreas e profissionais circulam e produzem obras históricas vendidas aos montes em bancas de revistas e livrarias. Em segundo lugar, procurva interrogar sobre a produção historiográfica das últimas décadas e capacidade de reflexão e compreensão das mudanças sociais, políticas culturais que enfrentamos nesse princípio do XXI.
Resumindo, questionava se nossa escrita estava sendo capaz de dar conta dos processos de transformação desencadeados nos últimos anos e que parecem apontar para uma urgente necessidade de pensarmos outras maneiras do estudo do passado e, por outro lado, já que falamos tanto em aceleração, quebra entre as dimensões temporais,  se nós, historiadores estávamos conseguindo apresentar repostas importantes para a compreensão desse momento.
Minha primeira conclusão em relação a isso (muito mais uma provocação) é que ainda não estamos conseguindo produzir uma historiografia que dê conta dos problemas deste tempo. Não falo de estudos sobre o presente, mas sobre a própria escrita da história no presente, elementos bastante distintos.
Os motivos são vários, porem, o principal deles talvez seja o fato que o historiador se afastou das questões da atualidade. O efeito disso parece ter sido político higienizador, como se ao apontar os lugares de interferência social na produção historiográfica, conseguíssemos lançar mão de ferramentas para tentar neutralizá-la, colocá-las em lugar tranquilo para que o conhecimento histórico pudesse aparecer límpido.Não é a toa que proliferaram as obras sobre as minúcias de outros tempos.

Se o século XIX foi o século de profissionalização da história, o XX foi o de sua afirmação, todavia, embora tenhamos avançados em aspectos relevantes em consideração de novos objetos, fontes e problemas, continuamos a escrever história sob os mesmos paradigmas teóricos metodológicos do XIX.

Mas Como pensar o passado nesse presente de transformações tão rápidas e profundas?  Como experimentar a dispersão do nosso próprio tempo, sendo cidadãos e historiadores que tentam dar conta de compreender os tempos de outros? Como lidar com a assustadora explosão documental de nossos dias? O jornal antes depositado a meia luz, nas hemerotecas de nossas antigas bibliotecas, agora está disponível, ininterruptamente, para quem o quiser consultar na Web. Como estudar uma notícia que nunca deixar o circuito da comunicação?
Se antes o principal problema era o da escassez, agora nos deparamos com o excesso.  Se foi dado ao historiador do século XIX a tutela da história, hoje, ela é um produto partido e repartido por vários profissionais, o passado se tornou mercadoria, e a mídia diz fazer história em cada jornal de sua programação.
Ao me deparar com esses lugares fronteiriços, interrogo-me sobre o papel da história para nossa sociedade, melhor dizendo, a força inegável que assumiu os usos sobre o passado em um momento no qual a memória e o esquecimento são postos como referências fundamentais.

É preciso considerarmos que pensar a história hoje, significa levar em conta a influência que os meios de comunicação exercem na fundação de sentidos sobre o presente e, conseqüentemente, sobre o passado e o futuro. Assim sendo, é preciso avaliar que subsistem, em suas formulações, diversos fluxos de sentido que obedecem a interesses, visões de mundo, posturas políticas que colocam em evidência tanto dimensões superficiais como subterrâneas dessa própria experiência.
Isso significa, mais do que nunca, pensar a escrita da história em sua dimensão política, uma vez que devemos considerar que boa parte dos governos contemporâneos, sobretudo na América latina, ascendeu ao poder amparada pelo discurso da reparação histórica, em nome dela o mundo está mudando, paredes estão sendo derrubadas, memórias e lembranças estão sendo tecidas, reviradas, destruídas e construídas.
Dessa forma, devemos nos interrogar  sobre nossa função social, sobre que tipo de ação desempenhamos efetivamente nesse mundo em travessias. Sentimento que talvez nunca tenha sido tão intenso.  
Se o mundo em que vivemos é um mundo de intensas mudaças, talvez nós, historiadores, estejamos sendo chamados a atravessar também nossos territórios e fronteiras, sendo assim, desafiados a compreender as artimanhas de uma história que se desenha muito além de nossas abrangências tradicionais. 
Ao destacar tais questões não significa que devamos abrir mão dos problemas de nosso campo, mas sim que precisamos aprender a lidar com as novas questões desse tempo, e se nossa velha roupa não nos veste mais, somos chamados à construção de uma nova tessitura para nosso campo. 


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